Monday, December 18, 2006

Monday, December 11, 2006

Ensimesmar (30 segs)

Projeto desenvolvido para a exposição "Trajetos" que ocorreu no MAB-Centro em São Paulo do dia 22/09 ao dia 13/10 de 2006.


Vista da instalação



Detalhe

Wednesday, December 6, 2006

Monday, December 4, 2006

O PROBLEMA DOS MUSEUS

Paul Valéry
Oeuvres, Bibliothèque de la Plêiade, vol II (Pièces sur l’art)


Não gosto muito de museus. Alguns deles são admiráveis, mas nunca deliciosos. As idéias de classificação, de conservação e de utilidade pública, que são justas e claras, têm pouca relação com as delícias.

No primeiro passo que dou em direção às coisas belas, uma mão me tira a bengala, um aviso me proíbe de fumar.

Já paralisado pelo gesto autoritário e pelo sentimento de opressão, entro numa sala de escultura onde reina uma fria confusão. Um busto deslumbrante aparece entre as pernas de um atleta de bronze. A calma e as violências, as tolices, os sorrisos, as contrações, os equilíbrios mais críticos acabam por criar em mim uma impressão insuportável. Estou em meio a um tumulto de criaturas congeladas onde cada uma exige, sem obtê-lo, a inexistência de todas as outras. E não falo do caos de todas estas grandezas sem medida comum, da mistura inexplicável de anões e de gigantes, nem mesmo dessa abreviação da evolução que nos oferece uma reunião de seres perfeitos e de inacabados, de mutilados e de restaurados, de monstros e de senhores...

Com a alma pronta para todas as penas, aproximo-me da pintura. Diante de mim, desenvolve-se, no silêncio uma estranha desordem organizada. Sou tomado por um horror sagrado. Meu passo se faz tímido. Minha voz se transforma e se coloca um ponto mais alta que na igreja mas um pouco menos forte do que ela soa no ordinário da vida. Logo já não sei mais o que vim fazer nestas solidões de cera, que têm alguma coisa de templo e de salão, de cemitério e de escola... Vim me instruir, buscar meu encantamento, ou cumprir um dever e satisfazer as conveniências? Ou ainda, não seria um exercício de tipo particular este passeio bizarramente entravado por belezas, e desviado a cada instante por estas obras-primas à direita e à esquerda, entre as quais é necessário conduzir-se como um bêbado entre os balcões?



A tristeza, o tédio, a admiração, o bom tempo que fazia lá fora, as reprovações da minha consciência, a terrível sensação do grande número de grandes artistas caminham comigo.


Sinto que me torno terrivelmente sincero. Que fadiga, digo a mim mesmo, que bárbarie! Tudo isto é desumano. Nada disso é puro. É um paradoxo esta aproximação de maravilhas independentes mas adversas, e é também paradoxal que sejam mais inimigas umas das outras quando mais se assemelham.

Uma civilização nem voluptuosa nem razoável pode sozinha ter edificado esta casa da incoerência. Não sei o quê de insensato resulta dessa vizinhança de visões mortas. Elas se invejam e disputam o olhar que lhes confere existência. Elas chamam de todas as partes minhas indivisível atenção: elas enlouquecem o ponto vivo que arrasta toda a máquina do corpo para aquilo que o atrai...

O ouvido não suportaria escutar dez orquestras ao mesmo tempo. O espírito não pode seguir, nem conduzir várias operações distintas. E não há raciocínios simultâneos. Mas o olho, na abertura de seu ângulo móvel, e no instante de sua percepção, acha-se obrigado a admitir um retrato e uma marinha, uma cozinha e um triunfo, personagens em estados e dimensões os mais diferentes; e além disso, deve acolher, no mesmo olhar, harmonias e maneiras de pintar incomparáveis entre si.

Assim como o sentido da visão se acha violentado por este abuso do espaço que constitui uma coleção, também a inteligência não é menos ofendida por uma estreita reunião de obras importantes. Quanto mais belas, quanto mais efeitos excepicionais da ambição humana, mais devem ser distintas. Elas são objetos raros cujos autores prefeririam que fossem únicos. Este quadro, diz-se por vezes, MATA todos os outros em torno dele...

Creio que nem o Egito, nem a China, nem a Grécia, que foram sábios refinados, conheceram este sistema de justapor produções que se devoram umas às outras. Não enfileiravam unidades de prazer incomparáveis sob números de tombamento, e segundo princípios abstratos.

Mas nossa herança é esmagadora. O homem moderno tanto é extenuado pela enormidade de seus meios técnicos, quanto é empobrecido pelo próprio excesso de suas riquezas. O mecanismo dos dons e dos legados – a continuidade da produção e das aquisições - , e esta outra causa de aumento relacionada às variações da moda e do gosto, no seu retorno às obras que haviam sido desprezadas, concorrem sem descanso para a acumulação de um capital excessivo e portanto sem utilidade.

O museu exerce uma atração constante sobre tudo o que fazem os homens. O homem que cria, o homem que morre, alimentam-no. Tudo acaba na parede ou na vitrina... Sonho incansavelmente com a banca de jogo que ganha em todos os lances.

Mas o poder de se servir dessas fontes sempre maiores está bem longe de crescer com elas. Nossos tesouros nos oprimem e nos atordoam. A necessidade de concentra-los numa morada exagera seu efeito estupefaciente e triste e, por mais vasto que seja o palácio, mais apto, mais bem ordenado, achamo-nos sempre um pouco perdidos e desolados nessas galerias, sozinhos diante de tanta arte. A produção de milhares de horas que tantos mestres consumiram desenhando e pintando age poucos momentos sobre nossos sentidos e sobre nosso espírito, e estas horas foram horas carregadas de anos de pesquisas, de experiência, de atenção, de gênio!... Devemos fatalmente sucumbir. Que fazer? Tornamo-nos superficiais.

Ou, então, fazemo-nos eruditos. Em matéria de arte, a erudição é uma espécie de defeito: esclarece o que não é o mais delicado, aprofunda o que não é essencial. Ela substitui suas hipóteses à sensação, sua memória prodigiosa à presença da maravilha; e anexa ao museu imenso uma biblioteca ilimitada. Vênus transformada em documento.

Saio com a cabeça alterada, as pernas cambaleantes, deste templo das mais nobres volúpias. A extrema fadiga, às vezes, se acompanha de uma atividade quase dolorosa do espírito. O magnífico caos do museu me segue e se combina com o movimento vivo da rua. Meu mal-estar busca sua causa. Ele observa ou inventa, não sei qual a relação entre esta confusão que o obceca e o estado atormentado das artes do nosso tempo.

Estamos e nos movemos na mesma vertigem da mistura cujo suplício infligimos à arte do passado.

Percebo imediatamente uma vaga claridade. Uma resposta se esboça em mim, destaca-se pouco a pouco de minhas impressões, e pede para se pronunciar. Pintura e Escultura, diz-me o demônio da Explicação, são crianças abandonadas. Sua mãe está morta, sua mãe Arquitetura. Enquanto vivia, dava-lhes seu lugar, seu uso, seus limites. A liberdade de vagar lhes era recusada. Tinham seu espaço, sua luz bem definida, seus temas, suas alianças...

Adeus, diz-me este pensamento, não irei mais longe.


Tradução: Vera Novis

Sunday, November 26, 2006